domingo, 27 de julho de 2014
Breve anotação
Sentada calmamente sem coisa alguma fazer,
aparece a primavera, e cresce a erva.
[Herberto Helder]
My mother asleep
remembering my mother
at a theatre in Athens
thirty
thirty-five years ago
a revue by Theodorakis
those great songs
she fell asleep
in the chair beside mine
in the open-air theatre
she had arrived that day
from Montreal
and the play started
close to midnight
and she slept through
the mandolins
the climbing harmonies
and the great songs
I was young
I hadn’t had my children
I didn’t know how far away
your love could be
I didn’t know how
tired you could get
[Leonard Cohen]
sábado, 12 de julho de 2014
Meu amigo
Depois de tudo, no vazio
da manhã inabitável,
ajuda-me a negar
este remorso:
eu só queria uma canção
que não morresse
e a hipótese de um poema
que não fosse
o lugar onde me encontro
uma vez mais,
sem desculpa, sem remédio,
diante de mim mesmo.
[Rui Pires Cabral]
Lembranças
I don’t remember
lighting this cigarette
and i don’t remember
if i’m here alone
or waiting for someone.
[Leonard Cohen]
A origem
Quando à noite, sozinha no quarto, relembrava o rapaz, eram precisamente as enfadonhas tardes de leitura que recordava com mais ternura, como uma mãe que se enternece sobretudo com os disparates de um filho querido. Esta maneira de pensar é terrivelmente feminina: assim como uma mulher superior, apaixonada por um homem vulgar, acha graça e encanto às idiotices e vulgaridades desse homem, também Catarina, apaixonada por aquele adolescente semicaótico e desconhecido, descobria prazer nas longas horas em que, constrangida, ouvia falar de assuntos que para ela não tinham realidade.
[Graça Pina de Morais]
quarta-feira, 9 de julho de 2014
Clarear
e eu esperasse o tempo bastante
tu passarias aqui
claro passariam muitas outras
antes de ti
exibindo aqueles traços grotescos
que não são os teus
mas um dia passarias
nem que fosse no fim
para encontrar meus ossos
ou então morríamos ambos
eu esperava-te na eternidade
e tu passavas na eternidade
[César Fernández Moreno]
terça-feira, 8 de julho de 2014
Dentro dos quartos vazios
A correspondência apaixonada de Kafka:
Como eu te amo (e portanto eu amo-te, sua tola, tal como o mar ama um minúsculo seixo no seu fundo, é exactamente assim que te cubro com o meu amor - e oxalá seja também um seixo ao teu lado, se o céu o permitir), amo o mundo inteiro, a que pertence também o ombro esquerdo, não primeiro era o ombro direito e, por isso, beijo-o quando isso me dá prazer (e tu tens a amabilidade de despir aí a blusa), o ombro esquerdo está também incluído e o teu rosto debaixo de mim no bosque e o repousar no teu peito quase desnudado. E por isso tens razão quando dizes que já fomos um único ser, e não tenho nenhum medo disso, pelo contrário, é a minha única felicidade e o meu único orgulho e não o restrinjo de modo nenhum ao bosque.”
Ou o amor amolgado de Al Berto:
Tudo vem ao chamamento. Penso mar, e o mar enche-me a alma e as mãos. Balbucio cal, e na pele do tempo cresce uma casa onde não viverei, ergue-se uma cidade de melancolia na incerteza dos punhos, e nela nos ferimos.
Digo sol, e quase cego consigo tocar-lhe. Só por ti clamo, e não te acendes, nem regressas, e me queimas.
Como eu te amo (e portanto eu amo-te, sua tola, tal como o mar ama um minúsculo seixo no seu fundo, é exactamente assim que te cubro com o meu amor - e oxalá seja também um seixo ao teu lado, se o céu o permitir), amo o mundo inteiro, a que pertence também o ombro esquerdo, não primeiro era o ombro direito e, por isso, beijo-o quando isso me dá prazer (e tu tens a amabilidade de despir aí a blusa), o ombro esquerdo está também incluído e o teu rosto debaixo de mim no bosque e o repousar no teu peito quase desnudado. E por isso tens razão quando dizes que já fomos um único ser, e não tenho nenhum medo disso, pelo contrário, é a minha única felicidade e o meu único orgulho e não o restrinjo de modo nenhum ao bosque.”
Ou o amor amolgado de Al Berto:
Tudo vem ao chamamento. Penso mar, e o mar enche-me a alma e as mãos. Balbucio cal, e na pele do tempo cresce uma casa onde não viverei, ergue-se uma cidade de melancolia na incerteza dos punhos, e nela nos ferimos.
Digo sol, e quase cego consigo tocar-lhe. Só por ti clamo, e não te acendes, nem regressas, e me queimas.
sábado, 5 de julho de 2014
Disparos
I feel as if I am an ad
for the sale of a haunted house:
18 rooms
$37,000
I’m yours
ghosts and all.
[Richard Brautigan]
As idas, talvez.
"Teresa, minha querida Teresa, parece que estás a afastar-te de mim. Para onde queres ir? Sonhas todas as noites com a morte, como se quisesses mesmo ir-te embora... "
[Milan Kundera]
quinta-feira, 3 de julho de 2014
Confidências a meio gás
Mas eu nunca sei o que fazer das pessoas ou das coisas de que eu gosto, elas chegam a me pesar, desde pequena.
(...)
Nunca penetrei no meu coração.
[Clarice Lispector]
VI
Nos dias revelados, na posse do que dita
o pó e as vigílias, nessa lenta
profusão de imagens e de rostos
traídos, roídos de beleza
—um dorso descomposto, deitado
sob a treva. E a cabeça
inclinada
cada vez mais no seu lençol.
[Nuno Guimarães]
terça-feira, 1 de julho de 2014
Alcoolizei os sentidos, afinal o resto é só pó
Quando muito era o teu corpo
o que a ti me prendia
e não algo mais abstracto.
Quando muito
imaginei tudo o resto.
[Miriam Reyes]
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