quinta-feira, 26 de janeiro de 2017

Alguma estética da premonição


Uma janela basta
Uma janela para contemplar
Uma janela para escutar
Uma janela
semelhante ao anel de um poço
a alcançar a terra na finitude do seu cerne
e a abrir para a imensidão desta bondade azul e repetitiva
uma janela a limar as pequenas mãos da solidão
com a nocturna benevolência
do perfume das estrelas prodigiosas
e de onde
é possível convocar o sol
para a alienação dos gerânios.
Uma janela bastar-me-á.
Eu venho da terra das bonecas
de debaixo das sombras das árvores de papel
no jardim de um livro ilustrado
das estações secas das experiências impotentes na amizade e no amor
nas vielas sujas da inocência
dos anos das letras pálidas do alfabeto cada vez maiores
atrás das carteiras da escola tuberculosa
do instante em que as crianças eram capazes de escrever “pedra”
no quadro
e os estorninhos partiam em furiosa debandada
da velha árvore.
Eu venho do meio das raízes de plantas carnívoras
e tenho o cérebro ainda a transbordar
com o guincho aterrorizado de uma borboleta
crucificada com alfinetes
num caderno.
Quando a minha confiança ficou suspensa do frágil fio da justiça
e por toda a cidade
iam despedaçando as lanternas do meu coração
quando me vendaram
com o lenço negro da Lei
e dos meus templos ansiosos do desejo
jorraram fontes de sangue
quando a minha vida se tornou nada
nada
senão o tiquetaque de um relógio,
descobri
que tenho
tenho
tenho de amar,
loucamente.
Uma janela bastar-me-á
uma janela para o momento da consciência
da observância
e do silêncio.
agora,
a pequena nogueira
está tão crescida que já consegue interpretar o muro
através das suas jovens folhas.
Pergunta ao espelho
o nome do redentor.
Não estará a terra fremente sob os teus pés mais sozinha que tu?
os profetas trouxeram a missão da destruição para o nosso século
não serão estas explosões consecutivas
e estas nuvens tóxicas
a reverberação dos versículos sagrados?
Tu,
camarada,
irmão,
confidente,
assim que chegares à lua
escreve a história dos massacres das flores.
Os sonhos precipitam-se sempre da sua ingénua altitude
e desfazem-se.
Cheiro o trevo de quatro folhas
que cresceu sobre o túmulo dos significados arcaicos.
Não seria a mulher
enterrada no sudário da expectativa e da inocência
a minha juventude?
Subirei os degraus da curiosidade
para saudar o bom Deus que passeia pelo telhado?
Sinto que o “tempo” passou
sinto que o “momento” é a minha parte das páginas da história
sinto que a “secretária” é uma distância fingida
entre as minhas madeixas
e as mãos deste triste desconhecido.
Fala comigo
O que haveria de querer de ti quem oferece a ternura de uma carne viva
senão o entendimento da sensação de existir?
Fala comigo
estou no refúgio da janela
tenho uma relação com o sol.
[Forough Farrokhzad]

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