segunda-feira, 10 de março de 2025

O que acontece onde tudo acontece


A poesia é onde tudo acontece. Como o amor, o humor, o suicídio e todos os actos fundamentalmente subversivos, a poesia ignora tudo menos a sua própria liberdade e a sua própria verdade. Dizer “liberdade” e “verdade” em referência ao mundo em que vivemos (ou não vivemos) é dizer uma mentira. Só não é mentira quando se atribui estas palavras à poesia: o lugar onde tudo é possível.

Em oposição ao sentimento de exílio, ao sentimento de saudade perpétua, está a terra prometida pelo poema. A cada dia os meus poemas são mais curtos: pequenos fogos para quem se perdeu numa terra estranha. Em poucas linhas, tenho por hábito encontrar os olhos de alguém que conheço à minha espera; coisas reconciliadas, coisas hostis, coisas que produzem incessantemente o desconhecido; e a minha sede perpétua, a minha fome, o meu horror. Daí vem a invocação, a evocação, a conjuração. Em termos de inspiração, a minha crença é completamente ortodoxa, mas isso não me limita de forma alguma. Pelo contrário, permite-me debruçar-me sobre um único poema durante muito tempo. E faço-o de uma forma que lembra, talvez, o gesto de um pintor: Fixo a folha de papel na parede e contemplo-a; mudo palavras, apago linhas. Por vezes, quando apago uma palavra, imagino outra no seu lugar, mas sem saber sequer o seu nome. Depois, enquanto espero por aquela que quero, faço um desenho no espaço vazio que alude a ela. E esse desenho é como um ritual de convocação. (Acrescento que a minha atracção pelo silêncio me permite unir, no espírito, a poesia à pintura; nesse sentido, aquilo a que outros chamariam o momento privilegiado, chamo eu de espaço privilegiado).

[Alejandra Pizarnik]

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