- Nenhum de vós! Seja qual for o céu
que vos encobre! Seja qual for a Idade
que vos deu! Já nenhum me fascina,
ó seres de pedra e mármore e cristal!
Não estremeço de espanto ou de beleza.
Se tudo o que me coube foi morrer,
espero da Esperança a glória do irreal.
Se vos amo, não sei se vos cantei.
Se vos deifiquei, já vos esqueço.
Se vos medi para além do que vos meço,
para aquém vos deixei.
Como erguer-vos acima dos infernos
de pó e cinza que a paixão criou?
E chamei-lhes eternos!
Que rio de miséria os afogou?
Nenhum de vós! Se estive de joelhos,
hoje levanto o olhar. O que de vós rasteja
sobre a Terra, a podridão do instante,
a perdição dos vícios, a razão de cantar,
está nas palavras presas, nas cadeias
que os séculos soluçam, a arrastar...
Nenhum de vós agora me escraviza.
Tão pequenos, pequenos almocreves!
Crianças das extáticas, divisas
e de infinitos breves!
Nenhum de vós! Não sei que epopeias
e astros e mansões
vos erguestes acima das areias!
Arrepiem-se as trevas e o silêncio
Do desprezo que alargo,
dos nomes que soterro, do amargo
anel de ferro que os recolhe.
Nenhum de vós, nenhum merece
que vos olhe!
Quero os cânticos só para além de mim,
de além dos cataclismos.
De além morte, de além caudais
de mundos em fusão.
Quero ver Deus criar de novo a vida;
uma nova manhã, um sabor novo a relva,
a maresia, à primeira canção...
Os passos do amor na noite fresca,
a primeira e imprecisa solidão.
Quero ver Deus, terrível, frente a frente.
Ver os primeiros lagos, ver os primeiros monstros,
ver-me de onde é que eu vinha.
Quero ver Deus criar de novo a Morte
e que a primeira morte seja a minha.
[Natércia Freire]
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