quinta-feira, 18 de setembro de 2014

Ontem...


Por favor,
respeita o meu silêncio,
o silêncio é a minha melhor arma.
Escutaste as minhas palavras
quando fiquei silencioso?
Sentiste a beleza do que disse
quando não disse nada?

[Nizar Kabanni]

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Incapacidades


E se mentir não fosse vil
nem grave sequer, nem tivesse
consequências fatais,
não fosse irremediável
 nem cheirasse a pólvora;
e se mentir
não murchasse os jardins
nem congelasse a corrente sagrada
que nos rega os sonhos;
e se mentir não fosse mau, afinal,
mas apenas difícil?

[Andrés Neuman]

terça-feira, 2 de setembro de 2014

Compêndio para uso dos pássaros


Andar à toa é coisa de ave.
Meu avô andava à toa.
Não prestava pra quase nunca.
Mas sabia o nome dos ventos
E todos os assobios para chamar passarinhos.
Certas pombas tomavam ele por telhado e passavam
as tardes frequentando seu ombro.
Falava coisas pouco sisudas: que fora escolhido para
ser uma árvore.
Lírios o meditavam.
Meu avô era tomado por leso porque de manhã dava
bom-dia aos sapos, ao sol, às águas.
Só tinha receio de amanhecer normal.
Penso que ele era provedor de poesia como as aves
e os lírios do campo.
 
[Manoel de Barros]

Os enganos


Quando o homem
entra na mulher,
como a onda mordendo a areia,
uma vez e outra,
e a mulher abre a boca de gozo
e os dentes lhe brilham
como o alfabeto,
então aparece Logos ordenhando uma estrela,
enquanto o homem
dentro da mulher
faz  um nó
para nunca mais se separarem
e a mulher
trepa a uma flor
come-lhe o pé
e vem Logos
e solta os rios.

Este homem,
esta mulher
com a sua fome a dois,
tentaram atravessar
a cortina de Deus,
e conseguiram por um instante,
mas Deus,
na sua infinita perversidade,
desfaz o nó.


[Anne Sexton]

Se eu redimensionar o que existe para saber adormecer


Não sei se te disse,
a minha mãe é baixinha
e tem de pôr-se em bicos de pés
para me dar beijos.
Há uns anos eu é que me empinava,
suponho, para lhe roubar um beijo.
Passamos a vida
a esticar-nos e a agachar-nos
para buscar a medida exacta
para podermos amar-nos.

[Begonã Abad]

Estou grata por ter tido as mãos cobertas e ao destapá-las não sentir medo a mais por isso






[Michael Snow]

O meu amor não gosta de pombas, imagine-se, logo ele que é feito de tantas penas



[Al Held. Jupiter IV]
 

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Algures na solidão tu me comoves com teus olhos feridos de mundo


29 março - quinta / 1984

monótonos dias atravessados de mar e barcos
monótonos dias inclinados em arco-íris
da minha varanda até às nuvens, chumbo
da tempestade - aves que regressam
apressadas pousam na praia suja de alcatrão
irremediavelmente perdida a brancura das areias
monótonos dias sujos mais sujos os que hão-de vir
brisa que me fustiga os dedos tamborilando
algures na solidão…
o vómito de ser espectador deste oceano

Porque será que não me mostras
o que se passa no teu fundo?


[al berto]

Tenho três caras apontadas a mim, o segredo é não fechar os olhos




[Renée Sintenis]

Se queres saber


Deixo-te o menos sombrio silêncio,
as gavetas arrumadas,
o chá no armário azul
da cozinha.

Para mim posso dizer mentiras
e deixas as coisas lembradas.
Poder mover-me onde não estás,
afastar algumas mágoas

evoca a primeira ausência
de raízes. O cansaço, o sarro
dos espíritos,
o violento olhar no verão,

os muros iluminados, lentas
todas estas coisas
sobem no esquecimento. E
irrompem ao contágio doutro corpo.

[Fernando Luís]

O lugar de onde fugimos tem um doce sabor a carne viva


 

[As Tears Go By /Dir. Wong Kar Wai]

O cume de um lugar sem palavras, sem ninguém



[Koyo Okada/ Mount Fuji]