segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Um ou dois


Numa azinhaga escura de arrabalde
haveis de sepultar-me. Que o meu túmulo
seja o lugar escuso para encontros.
Que o jovem desesperado e solitário
vagueando venha masturbar-se ali;
que o namorado sem um quarto aonde 
leve ao castigo a namorada, a traga
e a force e a viole sobre a minha tumba;
que o invertido venha ajoelhar-se
à beira dela ante quem esperma vende,
e deite abaixo as calças e se entregue,
as mãos buscando apoio nessa pedra.
Que bandos de malandros ali tragam
a rapariga que raptaram, e
a deixem lá estendida a escorrer sangue.
Que as prostitutas reles, piolhosas,
na laje pinguem corrimentos quando
a pobres velhos se venderam lá.
E que as crianças que brincando venham
jogar à minha volta, sem pisar nos cantos
a trampa mais cheirosa do que a morte
e que é memória humana de azinhagas,
ali descubram, mal adivinhando,
as nódoas secas do que foi violência,
ou foi desejo ou o que chama vício
e as lavem rindo com seu mijo quente
a rechinar na pedra que me cobre
(e regressem um dia a repeti-las)

[Jorge de Sena]

sábado, 12 de setembro de 2015

O tremer obscuro das mãos, sem se saber ao certo onde


Escrevo-lhe do fim do mundo. É preciso que o saiba. Amiúde as árvores tremem. Apanham-se as folhas. Têm uma imensa quantidade de nervuras. Mas de que servem? Não há mais nada entre elas e a árvore, e dispersamo-nos, incomodados.
Será que a vida na terra não poderia prosseguir sem vento? Ou será preciso que tudo trema sempre, sempre?
Há também tumultos subterrâneos, e dentro de casa, como raivas que surgissem à nossa frente, como seres severos que quisessem arrancar confissões.
Não se vê nada, como se importasse muito pouco ver. Nada, e todavia treme-se. Porquê?
[henri michaux]

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Ah sim, respirar...


respira maria
que pode ser o mar
que pode ser só o medo
de cair
ao andar

[Nuno Moura]

segunda-feira, 7 de setembro de 2015