sábado, 21 de dezembro de 2019

Difícil poema de amor

Separo-me de ti nos solstícios de verão, diante da mesa do juiz supremo dos amantes.
Para que os juízes me possam julgar, conhecerão primeiro o amor desonesto infinito
feito de marés ambulantes de espinhos nas pálpebras onde as ruas são os pontos únicos
do furor erótico e onde todos os pontos únicos do amor são ruas estreitíssimas velocíssimas
que se percorrem como um fio de prumo sem oscilação.
Ontem antes de ontem antes de amanhã antes de hoje antes deste número-tempo
deste número-espaço uma boca feita de lábios alheios beijou.
Precipício aberto: ele nada revela que tu já não saibas.
Porque este contágio de precipícios foste tu que mo comunicaste
maléfico como um pássaro sem bico.
Num silêncio breve vestiu-se a cidade.
Muito bom-dia querido moribundo. Sozinho declaraste a terceira grande paz mundial
quando abrindo os olhos me deste de comer cronometricamente às mil e tantas horas
da manhã de hoje.
Deito-me cedo contigo o meu sono é leve para a liberdade acordas-me só de pensares nela.
As casas e os bichos apoiam-se em ti. Não fujas não te mexas:
vou fixar-te para sempre nessa posição.
Que há? Abrem-se fendas no ar que respiro vejo-lhe o fundo. Tens os olhos vazados.
Qual de nós os dois "quero-Te" gritou?
Bebe-me espaçadamente encostada aos muros. Se és poeta que fazes tu?
Comes crianças jogas ases sentado és uma estátua de pé a cauda de um cometa.
Mães entretanto vão parindo. Os filhos morrerão ainda? Entregas-te a cálculos.
Amas-me demais.
Confesso: não sei se sou amada por ti.
Virás
quando houver uma fala indestrutível devolvida à
boca dos mais vivos. Então virás vivo também. Sempre esperei ver-te ressuscitado.
Desiludiste-me.
E iremos com o plural de nós nos leitos menores onde o riso, onde o leito do rio
é um filho entre os dois. Que farei de teus braços de meus cabelos benignos que faremos?
Nasci-te da minha pele com algumas fêmeas te deitei por vezes. Conheces-me.
Não me tens amor
Grave esta corda cortada agudo seixo me ataste aos olhos para me afundar.
Só por grande angústia me condenas à morte se de mim te veio a cidade
e os minúsculos objectos que já amaste ou que irás amar um dia espero.
Ah a cratera o abismo eléctrico!
Por isso o teu novo amor será comigo mais perigoso
que este imaculado com mais visco de amor cópula mortal.
Calo-me.
Reparei de repente que não estavas aqui. Pus-me a falar a falar.
Coisas de mulher desabitada. Sei que um dia desviarei sem ti os passeios rectos
esvaziarei os gordos manequins falantes. A razão é uma chapa de ferro ao rubro:
se acredito na tua morte começo o suicídio.
Enquanto penetrantemente te espero a luz coalhou. Os pássaros coalharam enquanto te espero.
O leite enquanto te espero coalhou. Haverá outro verbo?
Submersa, muito distante de qualquer inferno de um paraíso qualquer existo eu.
Existirão tais palavras?
É a altura de escrever sobre a espera. A espera tem unhas de fome, bico calado,
pernas para que as quer. Senta-se de frente e de lado em qualquer assento.
Desça com o sono a cabeça de animal exótico enquanto os olhos se fixam
sobre a ponta do meu pé e principiam um movimento de rotação
em volta de mim em volta de mim de ti.
Nunca te conheci - assim explico o teu desaparecimento.
Ou antes: separei-me de ti no solstício de um verão ultrapassado .
As mulheres viajavam pela cidade completamente nuas de corpo e espírito.
Os homens mordiam-se com cio. Imperturbável pertenceste-me.
Assim nos separámos.
Não calhasse morrer um de nós primeiro que o outro porque ambos ao mesmo tempo
será impossível enquanto não houver relógios que meçam este tempo
e as horas fielmente se adiantarem e atrasarem.
Alguma vez pretendi dizer-te o que quer que fosse?
Falava por paixão por tibieza por desgosto por claridade por frio por cansaço
nunca por pretender dizer o que quer que fosse.
Não me desculpo. Se já me cai o cabelo se já não sinto os ombros
é porque o amor é difícil ou a minha cabeça uma pedra escura
que carrego sobre o corpo a horas e desoras
ostentando-a como objecto público sagrado purulento.
O odor que as pedras têm quando corpos.
O apocalipse de tudo quando amamos.
O nosso sangue em pó tornado entornado.
O teu amor espreita o meu corpo de longe. De longe por gestos lhe respondo.
Tenho raízes nos vulcões ternuras íntimas medos reclusos beijos nos dentes.
A pobreza surge dentro de nós embora cautelosos deitados de manhã e de tarde
ou simplesmente de noite despertos.
Ambos meu amigo estamos sentados neste momento perfeitamente incautos já.
Contemplamos um país e sentamo-nos e vestimo-nos e comemos
e admiramos os monumentos e morremos.
Inventei a nossa morte em toda a impossível extensão das palavras.
Aterrorizei-me segundos a fio enquanto em corpo nu ouvindo-me adormecias devagar.
Com a precaução de quem tem flores fechadas no peito passeei de noite pela casa.
Um fantasma forçou uma porta atrás de mim. Gemendo como um animal estrangulado acordei-te.
Enterro o meu terror como um alfange na terra.
Porque é preciso ter medo bastante para correr bastante toda a casa
celebrar bastantes missas negras atravessar bastante todas as ruas
com demónios privados nas esquinas.
Só o amor tem uma voz e um gesto mesmo no rosto da ideia que me impus da morte.
És tu tão único como a noite é um astro.
Sobre a poeira que te cobre o peito deixo o meu cartão de visita
o meu nome profissão morada telefone.
Disse-te: Eis-me.
E decepei-te a cabeça de um só golpe.
Não queria matar-te. Choro. Eis-me! Eis-me!
[Luiza Neto Jorge]

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Do Inferno - Cinco Aproximações


Quando penso em ti, essoutra que eu nunca mais
soube ao certo quem era, ou quem eras, em ti
e em tudo aquilo que me deste, tanto que eu
nunca soube onde colocar e logo vinha o vento
e levava, quando penso em ti e mais em tudo
o que deixaste avariado na minha vida e eram
todos os pobres artefactos dela, da minha vida
quando penso em ti, isto é, quando penso em
nós, nessa coisa insólita e paupérrima que nós
éramos, ou que nós fomos um dia, é no inferno
é ainda e só e mais uma vez no inferno que eu
penso — esse tempo esse calor esse frio essa espera
insuportável. É no inferno que penso, mas devo
reconhecer, em abono da verdade, que não era
no inferno que nós estávamos, era a dois passos
dele e se queres mesmo saber era agradável
pela boa e simples razão de que não havia mais
nada, era intensa e insuportavelmente agradável
Faltava um pouco o ar, é certo, mas quem é que
se ia importar com uma coisa dessas, havia um calor
que nos enregelava os ossos, havia um frio que nos
aquecia. Era a dois passos do inferno — estava-se bem.
[rui caeiro]

terça-feira, 10 de dezembro de 2019

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

O último encontro


O último encontro foi tristonho.
Eu esperava uma decisão impossível:
que me seguisses a uma cidade ignota
unicamente ligada ao afundamento
de um submarino alemão
e tu esperavas que eu não to propusesse.
Com a vertigem dos suicidas
disse-te: «Vem comigo», adivinhando-o improvável,
e tu — sabendo-o impossível — respondeste:
«É lugar a que nada me prende » e deste a conversa
por arrumada. Pus-me de pé
como quem fecha um livro,
ainda que soubesse — as cicatrizes reconhecem-se –
que agora começava outro capítulo.
Ia sonhar contigo — numa cidade ignota –
onde apenas um velho submarino alemão
se deu por perdido.
Ia escrever-te cartas que não te enviaria.
E tu, ias esperar o meu regresso
- Penélope infiel — com ambiguidade,
sabendo que os meus curtos regressos
não seriam definitivos. Não sou Ulisses. Não
conheci Ítaca. Tudo o que perdi
perdi-o muito ciente
e o que não ganhei
foi por desleixo. O último encontro
foi, sim, um pouco triste.

[Cristina Peri Rossi]

Shoot some stars



[Gregory Corso]

sábado, 7 de dezembro de 2019

Gulag Orkestar


They call it ___Your loved one____ They call it ___Your loved one____ I call you mine If not forever At least for tonight

sábado, 23 de novembro de 2019

Nós e as palavras


(1940)
Quinta-feira, 5 de Setembro



Calor, calor, calor. Uma onda de calor que bate recordes, um Verão de recordes, se mantivéssemos um registo este Verão. Às 2 e meia um avião zumbe; passados 10 minutos sereias de ataque aéreo; 20 minutos depois, fim do alerta. Calor, repito; e tenho dúvidas que seja uma poetisa. Uma ideia. Todos os escritores são infelizes. A imagem do mundo nos livros é por isso demasiado negra. Os que não têm palavras são os felizes. Não é uma imagem verdadeira do mundo; apenas uma imagem de escritor. São felizes os músicos, os pintores? É o seu mundo mais feliz? Agora, em camisa de dormir, vou passear nos pauis.



[Virgínia Woolf]

domingo, 10 de novembro de 2019

A noite a latir na memória


Não podia deixar de amá-la porque o esquecimento não existe
e a memória é um mutatis mutandis, de maneira que sem querer
amava as distintas formas sob as quais ela aparecia
em sucessivas transformações e aflorava-me a nostalgia de todos os lugares
aonde jamais havíamos estado, e desejava-a nos parques
em que nunca a desejei e morria de reminiscências pelas coisas
que já não conheceríamos e eram tão violentas e inolvidáveis
como as poucas coisas que havíamos conhecido.

[Cristina Peri Rossi]

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

O despojamento donde despertará o coração


É preciso não esquecer nada:
nem a torneira aberta nem o fogo aceso,
nem o sorriso para os infelizes
nem a oração de cada instante.
É preciso não esquecer de ver a nova borboleta
nem o céu de sempre.
O que é preciso é esquecer o nosso rosto,
o nosso nome, o som da nossa voz, o ritmo do nosso pulso.
O que é preciso esquecer é o dia carregado de actos,
a ideia de recompensa e de glória.
O que é preciso é ser como se já não fôssemos,
vigiados pelos próprios olhos
severos connosco, pois o resto não nos pertence.

[Cecilia Meireles]

sexta-feira, 25 de outubro de 2019

É claro que a dor é uma barco à deriva


Many loved before us, I know
that we're not new...
- podia começar assim,
com uma dessas canções
profanas e furibundas
a que se regressa sempre
nos partidos tempos da vida.

Mas não creio que o alento possa voltar
a ser o daquelas manhãs de Junho
em que uma despedida precoce ditou leis
que eu cumpri demasiado bem.
Que tem isso a ver contigo, dirás,
e a resposta cala-se no meu peito,
asfixia lentamente nas sílabas
do teu nome em forma de punhal,
enquanto eu, o próprio, ando por aí
a ver passar os navios que já não passam
e a preparar tabernas disponíveis
para a velhice que virá.
Já não sou, acredita, esse príncipe
de um reino que quis imundo e breve.
E sei agora que as algemas do amor
doem mais quando os pulsos mal abertos
calafetaram a memória numa travessa
sem espera. De pouco serve importunar-te:
és apenas o álibi dilacerante
de um poema que eventualmente terá
alguma coisa a ver comigo, nada
que mereça a pena que aliás nada merece.
E hás-de ter uma vida, uma família, um cão,
como toda a gente tem mesmo que não tenha,
inventando paliativos cheios de calor,
do sossego, que nunca curaram ninguém
da peste real do amor: esta vontade
de beber por mãos alheias o sangue derramado,
suspenso num sorriso em chamas
sobre o qual já tudo foi dito e ainda nada.
Que te protejam, na noite serrada,
as mais frias certezas e a boca da catástrofe
que não beijou nem quis o poema inacabável.

[Manuel de Freitas]

sexta-feira, 18 de outubro de 2019

Os amantes desencontrados


«Deste um nome de incêndio a certas palavras.
Contigo eu não pisava o chão, era a amada voadora.
Feriste, feriste-me sem remédio. Como esquecer
que minavas meus próprios alicerces?
Que abanavas paredes, soltavas telhas
por onde entrava a tua inquietação?
Foste dentro de mim uma Primavera
tempestuosa. Por isso me deixaste,
e os dias correm, sem fronteiras.»
«Recordo-me bem, eu soube nesse domingo
que era como a água em Azenhas do Mar;
que rebento; e destruo; e não arranjo poiso.
E que toda esta bruteza é um ciclone
centrado, quem diria, a Noroeste dos Açores.
De mim deve sobrar-te a espuma
que trazem as marés vivas no equinócio.
De mim deve ficar um vento,
a fúria dum vento no teu cabelo.»

[Fernando Assis Pacheco]

domingo, 13 de outubro de 2019

O voo rápido do teu cheiro; que é sempre outra coisa


Jamais tive eu amor senão por ti.
Paixões o vento as trouxe e as levou
Qual ave migratória que pousou
Em temporário ninho onde vivi.
Amor, porém, é ave que povoa
O coração da gente e nele exulta
E ocupa de outra ave mais estulta
O coração partido e o perdoa.
Mas que fazer, se amor o dei ao vento
E sinto o coração ninho vazio
E sinto um grão calor e grande frio
E amo em oração no meu convento?
Eu amo quem amei e me deixou;
Não amo quem pousou — só quem voou.

[Daniel Jonas]

Hasta yo te encontraría/ Como el río va a la mar



[Sines, Agosto 2019]

Um dó-li-tá


Às vezes entre a noite e a manhã
Vejo os cães rodearem-te
Cães com os dentes à mostra
E tu deitas as mãos às suas patas
E ris nos seus dentes
E eu acordo a transpirar de medo
E sei que te amo.


[Heiner Müller]

Tudo aquilo em que não se crê permanece decorativo




[Jean Cocteau / Porto Covo, Agosto 2019]

NOITE ESCURA: Canto de Ifigénia


Quando eu nascer outra vez
quero nascer sem idade
filha da mãe que me fez
e de um homem sem maldade

Hei-de nascer numa esquina
onde o diabo passou
quando a noite for menina
tão menina como eu sou

Hei-de nascer numa esquina

Quando eu nascer novamente
quero nascer para trás
mudando completamente
para me tornar rapaz

Hei-de nascer numa praça
Dos olhos de uma rameira
olhando a gente que passa
até morrer de cegueira

Noite de enganos
Noite de enganos
Que me fizeste mulher

Quando eu nascer outra vez
quero nascer sem idade
filha da mãe que me fez
e de um homem sem maldade

Hei-de nascer numa esquina
onde o diabo passou
quando a noite for menina
tão menina como eu sou

Hei-de nascer numa esquina

Quando eu nascer novamente
quero nascer para trás
mudando completamente
para me tornar rapaz

Hei-de nascer numa praça
Dos olhos de uma rameira
olhando a gente que passa
até morrer de cegueira


Noite de enganos
Entre perdas e danos
Não ganhei nem perdi nada

"Noite de Enganos"
Regina Guimarães /Ana Deus/ Alexandre Soares
interpretação de Cleia Almeida e Ana Deus

My life is a perfect graveyard of buried hopes



[L.M. Montgomery]

Um trago só de teu nome fugaz, incalculável



[Nisyros, Agosto 2019]

Senti um Vazio no Começo, Quando o Coração Foi Embora, Mas Agora Está Tudo Bem



[Lucy Kirkwood/ Bodrum Agosto 2019]

The Dying Animal


The only obsession everyone wants: love. People think that in falling in love they make themselves whole? The Platonic union of souls? I think otherwise. I think you’re whole before you begin. And the love fractures you. You’re whole, and then you’re cracked open.
[Philip Roth]

segunda-feira, 29 de julho de 2019

A orfandade de estar triste


I always feel abandoned by those who are laughing and talking as if they had left me out, whereas it is I who get cut off by my own nature and separateness.

[Anais Nin]

Teria uma ave aonde jazia teu toque


[Alain Fleischer - Dans le cadre du miroir, 1984]



O que é um beijo se eu posso ter o teu olhar




Minha vida aquebrantada


Os séculos desfilavam num turbilhão e, não obstante, porque os olhos do delírio são outros, eu via tudo o que passava diante de mim – flagelos e delícias –, desde essa coisa que se chama glória até essa outra que se chama miséria, e via o amor multiplicando a miséria, e via a miséria agravando a debilidade. Aí vinham a cobiça que devora, a cólera que inflama, a inveja que baba, e a enxada e a pena, húmidas de suor, e a ambição, a fome, a vaidade, a melancolia, a riqueza, o amor, e todos agitavam o homem, como um chocalho, até destruí-lo, como um farrapo. Eram as formas várias de um mal, que ora mordia a víscera, ora mordia o pensamento, e passeava eternamente as suas vestes de arlequim, em derredor da espécie humana. A dor cedia alguma vez, mas cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda. Então o homem, flagelado e rebelde, corria diante da fatalidade das coisas, atrás de uma figura nebulosa e esquiva, feita de retalhos, um retalho de impalpável, outro de improvável, outro de invisível, cosidos todos a ponto precário, com a agulha da imaginação; e essa figura – nada menos que a quimera da felicidade – ou lhe fugia perpétuamente, ou deixava-se apanhar pela fralda, e o homem a cingia ao peito, e então ela ria, como um escárnio, e sumia-se, como uma ilusão.

[Machado de Assis]

Quem te disse que o amor não é afinal o coração a persignar-se?


[Twin-human-headed tomb with mystical patterns in a Zaza cemetery, Turkey]



Aguardo o retorno de quem não virá, não jamais virá

no help for that

there is a place in the heart that
will never be filled

a space

and even during the
best moments
and
the greatest times
times

we will know it

we will know it
more than
ever

there is a place in the heart that
will never be filled
and

we will wait
and
wait

in that space


[Charles Bukowski]

Tens olhos azuis, penso, tens olhos como eternidade orbitando

Dentro do grande túnel digo-te a vida
esta nuvem que vai para o centro da cidade leve e rosada
como a proa de um barco
bateira que me trás os dados e a roleta onde no branco
ou no preto devo jogar
jogando-me contigo
bem-me-quer
malmequer
ou muito ou pouco
ou nada
o que só com as mãos pode ser soletrado
só nos teus olhos nos teus olhos escrito

[Mário Cesariny]

O céu de Agosto em tuas mãos nas minhas costas

Sim – digo-te, pousando as mãos nos teus joelhos - desejo encontrar alguém que me ame com bondade, e saiba ler.

- Alguém que queira ressuscitar para ti?

- Sim, alguém que tenha para comigo essa memória. Alguém que deixe espaços entre as palavras para evitar que a última se agarre à próxima que vou escrever. Alguém que admita que a cartografia dos animais e da pontuação não está ainda estabelecida. Alguém que eu possa ler diferentemente depois de me ler. Alguém que dirá aos animais e às plantas que nem sempre serão servos. Alguém que ao nos amarmos se reconheça de matéria estelar.

[Maria Gabriela Llansol]

terça-feira, 23 de julho de 2019

Tulipas

The tulips are too excitable, it is winter here.
Look how white everything is, how quiet, how snowed-in.   
I am learning peacefulness, lying by myself quietly
As the light lies on these white walls, this bed, these hands.   
I am nobody; I have nothing to do with explosions.   
I have given my name and my day-clothes up to the nurses   
And my history to the anesthetist and my body to surgeons.

They have propped my head between the pillow and the sheet-cuff   
Like an eye between two white lids that will not shut.
Stupid pupil, it has to take everything in.
The nurses pass and pass, they are no trouble,
They pass the way gulls pass inland in their white caps,
Doing things with their hands, one just the same as another,   
So it is impossible to tell how many there are.

My body is a pebble to them, they tend it as water
Tends to the pebbles it must run over, smoothing them gently.
They bring me numbness in their bright needles, they bring me sleep.   
Now I have lost myself I am sick of baggage——
My patent leather overnight case like a black pillbox,   
My husband and child smiling out of the family photo;   
Their smiles catch onto my skin, little smiling hooks.

I have let things slip, a thirty-year-old cargo boat   
stubbornly hanging on to my name and address.
They have swabbed me clear of my loving associations.   
Scared and bare on the green plastic-pillowed trolley   
I watched my teaset, my bureaus of linen, my books   
Sink out of sight, and the water went over my head.   
I am a nun now, I have never been so pure.

I didn’t want any flowers, I only wanted
To lie with my hands turned up and be utterly empty.
How free it is, you have no idea how free——
The peacefulness is so big it dazes you,
And it asks nothing, a name tag, a few trinkets.
It is what the dead close on, finally; I imagine them   
Shutting their mouths on it, like a Communion tablet.   

The tulips are too red in the first place, they hurt me.
Even through the gift paper I could hear them breathe   
Lightly, through their white swaddlings, like an awful baby.   
Their redness talks to my wound, it corresponds.
They are subtle : they seem to float, though they weigh me down,   
Upsetting me with their sudden tongues and their color,   
A dozen red lead sinkers round my neck.

Nobody watched me before, now I am watched.   
The tulips turn to me, and the window behind me
Where once a day the light slowly widens and slowly thins,   
And I see myself, flat, ridiculous, a cut-paper shadow   
Between the eye of the sun and the eyes of the tulips,   
And I have no face, I have wanted to efface myself.   
The vivid tulips eat my oxygen.

Before they came the air was calm enough,
Coming and going, breath by breath, without any fuss.   
Then the tulips filled it up like a loud noise.
Now the air snags and eddies round them the way a river   
Snags and eddies round a sunken rust-red engine.   
They concentrate my attention, that was happy   
Playing and resting without committing itself.

The walls, also, seem to be warming themselves.
The tulips should be behind bars like dangerous animals;   
They are opening like the mouth of some great African cat,   
And I am aware of my heart: it opens and closes
Its bowl of red blooms out of sheer love of me.
The water I taste is warm and salt, like the sea,
And comes from a country far away as health.

Sylvia Plath