domingo, 4 de março de 2018

Saudações da princesa

Senhora, aplainais-me o coração
e não poderei esquecê-lo
eu, uma diabinha, a inocente
santa lutadora
arrastada na lama
eu, arrastada em pé viva
ao fresco, à sombra, grande demais ao ser espancada
tão orgulhosa de ninguém ao ser esbofeteada
ao frio
no rumor das cigarras
alegre
no mundo e seus irreais
eu, olhos ternos e roupas ordinárias
mãos frias, olhos quentes
impaciente em desordem
amorosa no caos
sorriso franco
aterradora amável
sim, senhora
até tenho olhos que se arrastam
como sempre acabam por se arrastar
aos vossos pés
no chão de todos
porque como sabeis
estamos no chão de todos
esquecemo-lo vezes demais
esquecemos até as nossas chaves, as nossas cabeças, os nossos números
nas estantes do coro, entre os trapos, entre dois ombros
em cadernos, livros, sobre a terra de todos
e as nossas almas, senhora
elas acabam também por se arrastar
as nossas almas são vagas
sequiosas de margens
num tal deserto
elas preocupam-se até demais

[hélène monette]

sábado, 3 de fevereiro de 2018

Estou habituada ao desespero



Na minha noite, infelizmente tão curta
o vento está prestes a encontrar-se com as folhas
das árvores
na minha noite, tão breve, e plena de uma angústia devastadora
ouve
ouves o sussurro das sombras?
esta felicidade é-me desconhecida
estou habituada ao desespero.

Ouves o sussurro das sombras?
ali, na noite, algo acontece
a lua é vermelha e ansiosa
e sobre este telhado
que a qualquer momento pode ruir
as nuvens, qual procissão de carpideiras
aguardam o nascimento da chuva.
Um segundo
depois nada
atrás desta janela a noite treme
e a terra pára de girar
atrás desta janela
qualquer coisa desconhecida inquieta-se comigo e contigo

Tu, verde dos pés à cabeça
coloca as tuas mãos, essas memórias
escaldantes,
nas minhas mãos amorosas
entrega os teus lábios ao toque
dos meus lábios amorosos
repletos do calor da vida
o vento levar-nos-á
o vento levar-nos-á.

[Forough Farrokhzad]

Eu vislumbrei: Era Igny e os seus terríveis olhos



Perhaps everything that frightens us is, in its deepest essence, something helpless that wants our love.

[Rainer Maria Rilke]