segunda-feira, 27 de julho de 2015

Um beijo



Porque a mulher disse ao homem
vá ver se eu estou na esquina
ele foi.
E lá estava ela. Na esquina.
só que mais leve mais doce mais bonita.
Dali mesmo foram juntos
comprar cigarros para sempre
[Eucanaã Ferraz]

domingo, 26 de julho de 2015

De novo as quintas ao sol


É quase fim-de-semana e podemos, talvez, beber uma cerveja
ao cair da tarde, enquanto planeamos a viagem a Paris. E se Paris
for muito caro - sei que isto não está fácil - podemos ir a Guimarães
assistir a um concerto, que ouvir é a maneira mais pura de calar.
Vem à Quinta-feira.
A seguir, temos ainda a Sexta e talvez me esperes à porta do emprego,
e talvez fiques para Sábado e Domingo, e talvez o mundo pare
de acabar tão depressa.
Vem à Quinta-feira.
Mas não venhas nesta, vem na próxima.
Nesta, tenho um compromisso que não posso adiar, é um compromisso
profissional - sabes que isto não está fácil - e talvez nos dê hipótese de irmos
a Paris ou a Guimarães. Vem na próxima, que eu preciso de tempo
para arranjar o cabelo, para arranjar o coração,
para elaborar a lista do que me falta fazer contigo.
Vem à Quinta-feira e não te demores.
Enquanto te escrevo, já fui elaborando a lista
(sabes como gosto de pensar em tudo
ao mesmo tempo)
e afinal o que me falta fazer contigo
não é caro:
- viajar de auto-caravana,
- dançar pela Estrada Nacional,
- ver-te chorar.
Choras tão pouco. Ainda bem que estás contente.
Vem à Quinta-feira.
Se não pudermos ir a Paris ou a Guimarães, não te preocupes.
Vem na mesma, que eu vou apanhando as canas-da-índia, as fiteiras,
eu vou recolhendo a palha e reunindo cordas e lona.
Já estive a aprender no Youtube como se faz uma cabana.
Vem na mesma, que eu vou procurando um lugar seguro.
Vem na mesma porque a cabana, como a casa, só funciona com amor
- ou, pelo menos, é o que diz o Youtube.
Temos ainda tanto para fazer.
Por isso, se algum dia voltares, meu amor, volta numa Quinta.
[Filipa Leal]

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Chegar


Nas tardes mais longas,
A luz, gélida e amarela,
Banha as testas
Serenas das casas.
Um tordo canta,
Rodeado de louro
No quintal fundo e desprotegido,
Com a sua voz recém-descascada
A espantar as paredes de tijolo.
A primavera chegará em breve,
A primavera chegará em breve –
E eu, cuja infância
É um aborrecimento esquecido,
Sinto-me uma criança
Que chega a uma cena
De reconciliação adulta,
E não consegue perceber nada
Senão as gargalhadas invulgares,
E principia a ser feliz.


[Philip Larkin]

Uma embarcação à deriva



[Rui Pedro Gonçalves]

Arfando um azedo ruído caído



o tempo insiste
em arrastar móveis pesados
há sempre um piano
que não passa na porta
notas suspensas
cordas frágeis
que sempre ruem
antes que o piano toque a rua
em áspero ruído
[Nydia Bonetti]

sexta-feira, 17 de julho de 2015

Equador


mais tarde
sentiria a dor da terra seca

havia de ouvir o cinzel do tempo
e experimentar o arrepio
da fusão lenta dos espelhos

que estranho fogo nos queima
quando da solidão suprema
se ergue o chão de todas as coisas

e exangues de saudade e medo
aí deixamos o amor
todo o amor
com a violenta ternura
do que é eterno

quanto mais se pode dar
a quem um dia nos cruzou o coração
como um equador
de vida e paixão?

[gil t.sousa]

Como vês, ninguém de ti se há-de lembrar


Um corpo ergue torres
na noite para o mar.

O vento das rochas, o sal,
cobrem-lhe a cabeça escurecida.

No feixe dos desejos pousa
o corvo, nos giestais ao
levantar voo faz-se lume.

O que vem de estar
frente ao amor,
com medo do amor.

[Fernando Luís]

Mau tempo



[Rui Caeiro]

Mata-me de novo, só mais um bocadinho



i know a man
who photographed the view he saw
from the window of the room where he made love
and not the face of the woman he loved there.

[yehuda amichai]