quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Eros ou onde estragar a cara


Pois morre-se de muita coisa, de muita coisa
se morre, morre-se por tudo e por nada
morre-se sempre muito
Por exemplo, de frio e desalento
um pouco todos os dias
mas de calor também se morre
e de esperança outro tanto
e é assim: como a esperança nunca morre
morre a gente de ter que a esperar
Morre-se enfim de tudo um pouco
De olhar as nuvens no céu a passar
ou os pássaros a voar, não há mais remédio
ó amigos, tem que se morrer
Até a respirar se morre e tanto
tão mais ainda que de cancro
De amar bem ou amar mal
de amar ou não amar, morre-se
De abrir e fechar, a janela ou os olhos
tão simples afinal, morre-se
Também de concluir o poema
este ou qualquer outro, tanto faz
ou de o deixar a meio, o resultado
é o mesmo: morre-se
Data-se e assina-se- ou nem isso
Sobrevive-se- ou nem tanto
Morre-se- sempre
Muito

[Rui Caeiro]