terça-feira, 10 de junho de 2014

Como se as saias delas fossem precárias iluminações de rua


Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
- Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.

[Manuel Bandeira]

domingo, 8 de junho de 2014

Eu tenho medo porque os teus erros sabem-me de cor


Sem o perdão das águas não posso viver. Sem o mármore final do céu não posso morrer.
Em ti é de noite. Em breve assistirás à corajosa exaltação do animal que és. Coração da noite, fala.
Ter morrido em quem se era e em que se amava, ter e não ter dado a volta como um céu ao mesmo tempo tormentoso e celeste.
Tivesses desejado mais que isto e ao mesmo tempo nada. 

[Alejandra Pizarnik]

Wisdom, silence, passing by



[Paul Klee]

Não te sei alojar nem ter


Não há raiz da vida,
mas é o amado que é raiz da vida.
- Quando soube que tu vinhas, o meu ventre
rasgou-se.
Não o esfreguei com óleo,
nem sei como receber-te.

[Herberto Helder]

XI


Olhos postos na terra, tu virás
no ritmo da própria primavera,
e como as flores e os animais
abrirás nas mãos de quem te espera.

[Eugénio de Andrade]

E na palavra me sustento em ti


O tamanho do teu nome
Quase já não se nota
Na estrada onde caminhas

Já não sei onde mora
A cor do sol

Pela estrada onde caminhas
As curvas entornam-nos
Sucessivamente.

[Daniel Faria]

Nunca aceitaste o convite


8./
    prometo-te que uma noite voltarei, sem bússola, regressarei com o lume do rio a guiar-me, e os olhos pousarão nos teus olhos este frémito de águas. acredito nas ruas que existem por detrás dos óculos dos marinheiros, onde descansa um barco e tu foges. não acredito em ti. um fio de água enforca-nos. foi então que resolveste prosseguir viagem sozinho, com a tua adolescência um pouco ferida,. eu acreditei no fogo e no silêncio que, de manhã, lavam os corpos, tornando-os de novo navegáveis. esperei, ainda te espero. ando por aí a mariscar, com os nativos, escondendo do mundo a tristeza que me devora o corpo.

[al berto]