segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

Uma viagem chamada Sem Nome


dizes-me que a cama do teu quarto
está por fazer que saíste e todas
as lojas estavam fechadas hoje
é domingo que ontem sábado dissemos
muitas coisas muito amor gin beijos
se terei um pouco de pão ou de ternura
para te emprestar

[Pablo Garcia Casado]

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Do que a fome dizia «És covarde» e eu era.


Alimentava-me
dos rostos atirados pela rede dos nervos
negros e as veias
até à raíz cravada
da voz
- o terrífico
aparelho da fome. Toda a obra.
Dói.
A memória maneja a sua luz, os dedos,
a matéria.
É mais forte assim
queimada no écran onde brilha
o buraco da carne,
os espelhos
fechados
de repente vivos como oceanos sob
os antebraços, as mãos


[Herberto Helder]

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Organizar a solidão em três bocados para que se os coma melhor


Os amores
que não tive
(e foram
muitos)
moeram-me
o juízo


Também
não tive
muitos filhos
isto é
não tive
nenhum


Não
me queixo


O que
não foi
(e foi muito)
deu-me
muito trabalho
e muito


[Adília Lopes]

Até amanhã


O que eu gostaria de fazer é um livro sobre nada.
Foi o que escreveu Flaubert a uma sua amiga em 1852.
Li nas Cartas Exemplares organizadas por Duda Machado.
Ali se vê que o nada de Flaubert não seria o nada existencial, o nada metafísico.
Ele queria o livro que não tem quase tema e se sustente só pelo estilo.
Mas o nada do meu livro é nada mesmo.
É coisa nenhuma por escrito: um alarme para o silêncio, um abridor de amanhecer, pessoa apropriada para pedras, o parafuso de veludo, etc. etc.
O que eu queria era fazer brinquedos com as palavras.
Fazer coisas desúteis.
O nada mesmo.
Tudo que use o abandono por dentro e por fora.

[Manoel de Barros]

Sabe-se lá quando o coração sofre, ou ganha carvão para manter o calor



[Trẻ em - Biên Hòa 1966]

I'll never tiptoe across my home ever again


Basta uma noite de amor em que um homem e uma mulher se entregam totalmente um ao outro sem ter medo de partir a cama nem de apanhar constipações. Basta uma noite. Não são precisas 5000 noites.

[Adília Lopes]