terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Dizeres


Este poema
começa com um homem de tronco nu
à sua mesa de trabalho e hiante
a esta hora em que de oriente a ocidente
se acendem lâmpadas trémulas e bárbaras e ferozes
e o mar é o teu nome    a esta hora pétala a pétala
em que subirei de avião para ir beijar-te os olhos
e ver  no meio do deserto  o único
o magnifico devorador de rosas a comer um pão
enquanto do Oceano resta apenas
o silêncio de uma lágrima caindo nos joelhos
        de uma criança
Espera-me onde um nome há no Ar escrito com saliva
              azul
com raiva azul
com a urina violenta dos amantes
com a sua flor azul à superfície onde crepita a morte

Choverá muito   eu sei    choverá muito
e não porei uma pedra branca sobre o assunto digo
sobre o temor de terra cada vez mais depressa
            cada vez mais depressa
e lento o peixe de plumas de águia letra a letra
dá a volta ao mundo dos teus olhos
enquanto a dentadura cintilante pronuncia o grande
       uivo
de oriente a ocidente

Certas palavras muito duras quando a noite cai
não devem ter outra origem  sabes tão bem como eu
porque agora a lava das lágrimas ao crepúsculo
são as rosas com que o poeta fala
à multidão em volta do crocodilo o animal repugnante
de costas para a luz   contra o grande uivo:

de oriente a ocidente a mesma flor podre  o estado
os segredos de estado as razões de estado a segurança
        do estado
o terrorismo de estado os crimes contra o estado
e o equilíbrio do terror
de oriente a ocidente    meu amor    de oriente
          a ocidente

Digo não     Eu digo não
digo o teu nome que diz não

[António José Forte]

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