sábado, 24 de maio de 2014

Soldados


A caserna vazia demora-se na paisagem como um remorso. Os olhos que a invadem circulam com um ócio canino. As tarimbas esqueléticas, deprimidas pela ferrugem. Uma ou outra roupa mastigada pelo vento, suada ainda. Talvez numa parede a alvorada continue a decantar o seu susto. Talvez tudo possa ser resgatado com suficiente dedicação. A apneia do entendimento é um outro respirar. Os perfumes do mundo são uma flor que rebenta no imo alheio.
Pergunta-se: os soldados? E eles semeiam-se com as suas imagens insuportáveis, com as suas simples palavras cingidas nos punhos ternos. São eles as minas que povoam a terra, à espera de que um pé lhes finde a explosão. Minas do avesso. Minas deflagradas à nascença. E a avultada esperança de já não ter de corroer o tecido da carne, de já não ter de arremessar pontos finais para o espaço.
Repousa, sufocado coração da juventude, repousa. A guerra foi a porta que abriste para o relento. À noite, o digladiar-se dos ramos é um cântico desarmado. E todo o firmamento um sopro de pálpebras.

[Vasco Gato]

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